
Aconteceu novamente! Eu já estava me esquecendo da tragédia em Angra dos Reis e lá vem outra me atormentar! Desta vez a natureza mostrou sua face escura numa ilha do Caribe, onde fica o Haiti, um pequeno país de pouco ou nenhum destaque no cenário mundial. Na última terça-feira (12/01/10), esse país que já era o mais pobre das Américas, tornou-se também a expressão máxima de desgraça no mundo. Desde então, seu povo padece, sofre, sangra, chora e não para de contabilizar os mortos. Já são mais de cinqüenta mil e, possivelmente, esse número ultrapasse a casa dos duzentos mil. É infortúnio demais para uma ilha tão pequena!
O Haiti virou manchete. Vive, sem poder desfrutar, seus quinze minutos de fama global! Tornou-se o centro das atenções externas, mas, internamente, perdeu suas referências e segue sem rumo e sem direção.
A imprensa está lá, fazendo seu trabalho: prestação de serviços intercalada com cenas fortes e dramatização. Notícia ruim dá IBOP! É a desgraça alheia se transformando em negócio rentável. Longe de mim querer dar uma de moralista e condenar a imprensa. Nada disso. Estou apenas observando que é assim que o mundo funciona. Uns perdem, outros ganham e a roda continua girando. A felicidade do leão é a tristeza da zebra, do guinu,do antílope, não é mesmo? É a morte de uns promovendo a vida de outros.
Tragédias como essa fazem nossas certezas estremecerem e nos mostram o quanto somos reféns dos fenômenos naturais. Se num dia qualquer a Terra desperta mal humorada e resolver se revirar sob nossos pés, ai de nós. Não há o que fazer ou pra onde fugir. Se der tempo, poderemos rezar ou torcer para não sermos destruídos por ela.
E a cabeça se enche de perguntas: Por que acontecem essas tragédias? Há algum sentido em tudo isso?
A ciência se apressou em explicar o ocorrido. Ouvi algo mais ou menos assim:
"A causa do desastre está associada à uma falha geológica existente nas proximidades do Haiti. Acomodações ocorridas no interior da Terra liberaram energia acumulada, provocando esse terremoto que atingiu sei lá quantos pontos na escala Richter".
E daí? E os cinqüenta mil mortos? Certo é que essa explicação científica é de pouca ou nenhuma serventia para os sobreviventes no Haiti – famintos, sedentos, desorientados, traumatizados – que perderam tudo, ficando literalmente sem chão e sem teto. Pois quando a terra treme e o céu vacila, quando a dor nos consome e o medo nos domina, quando o presente é caótico e o futuro uma dúvida, o que desejamos ouvir é uma voz forte, amiga, que nos oriente e nos faça crer que não estamos sofrendo à toa e que, aqueles que se foram, não morreram em vão. Essa voz de consolo e esperança não costuma vir da ciência.
E é nesse vácuo deixado pela ciência que o discurso religioso encontra solo fértil para se manifestar e progredir. Isso porque a religião sempre tem uma resposta para tudo, seja para a morte de uma criança, um genocídio, a violência urbana ou a fúria da natureza. Seu efeito é anestésico. Alivia a dor, reduz a ansiedade, tranqüiliza o espírito e conduz o desesperado à zona de conforto em que estava antes da crise ter início.
"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum..." (Salmo 23). "Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro sempre presente nas tribulações..." (Salmo 46). "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Romanos 8:31).Falei há pouco sobre ação da imprensa no Haiti e acrescendo aqui o esforço das igrejas. Elas também estão fazendo o seu trabalho: sermões aqui, orações ali, Bíblia acolá. Vão se aproveitando desse momento de alta do medo para investir fortemente na conquista de novos adeptos. Não é minha intenção aqui criticar as igrejas, afinal, é assim que o mundo funciona e as igrejas fazem parte dele.
E já que falei em religião e igrejas, lembro-me que Deus é, na Bíblia, apresentado como o protetor dos pobres, das viúvas e dos órfãos. O Haiti é hoje, por excelência, a terra dos pobres, das viúvas e dos órfãos, um "prato cheio" para Deus. A imprensa está lá, fazendo o trabalho dela e buscando audiência; as igrejas estão por aí, aproveitando-se igualmente da crise para incrementar suas fileiras de adeptos. E Deus, onde está? O que anda fazendo? Sei alguma coisa sobre as instituições humanas, sobre como o mundo funciona, mas admito desconhecer os caminhos, interesses e intenções divinos. Penso, contudo, que se Ele quisesse, poderia se aproveitar também desse momento de luto para revelar ao mundo sua velada face de amor. Os pobres, as viúvas e os orfãos do Haiti certamente ficariam muito agradecidos se Deus fosse hoje, para eles, "socorro bem presente nas tribulações", com afirma o salmo bíblico.