sábado, janeiro 16, 2010 | Autor: Ebenézer Teles Borges
Aconteceu novamente! Eu já estava me esquecendo da tragédia em Angra dos Reis e lá vem outra me atormentar! Desta vez a natureza mostrou sua face escura numa ilha do Caribe, onde fica o Haiti, um pequeno país de pouco ou nenhum destaque no cenário mundial. Na última terça-feira (12/01/10), esse país que já era o mais pobre das Américas, tornou-se também a expressão máxima de desgraça no mundo. Desde então, seu povo padece, sofre, sangra, chora e não para de contabilizar os mortos. Já são mais de cinqüenta mil e, possivelmente, esse número ultrapasse a casa dos duzentos mil. É infortúnio demais para uma ilha tão pequena!

O Haiti virou manchete. Vive, sem poder desfrutar, seus quinze minutos de fama global! Tornou-se o centro das atenções externas, mas, internamente, perdeu suas referências e segue sem rumo e sem direção.

A imprensa está lá, fazendo seu trabalho: prestação de serviços intercalada com cenas fortes e dramatização. Notícia ruim dá IBOP! É a desgraça alheia se transformando em negócio rentável. Longe de mim querer dar uma de moralista e condenar a imprensa. Nada disso. Estou apenas observando que é assim que o mundo funciona. Uns perdem, outros ganham e a roda continua girando. A felicidade do leão é a tristeza da zebra, do guinu,do antílope, não é mesmo? É a morte de uns promovendo a vida de outros.

Tragédias como essa fazem nossas certezas estremecerem e nos mostram o quanto somos reféns dos fenômenos naturais. Se num dia qualquer a Terra desperta mal humorada e resolver se revirar sob nossos pés, ai de nós. Não há o que fazer ou pra onde fugir. Se der tempo, poderemos rezar ou torcer para não sermos destruídos por ela.

E a cabeça se enche de perguntas: Por que acontecem essas tragédias? Há algum sentido em tudo isso?

A ciência se apressou em explicar o ocorrido. Ouvi algo mais ou menos assim: "A causa do desastre está associada à uma falha geológica existente nas proximidades do Haiti. Acomodações ocorridas no interior da Terra liberaram energia acumulada, provocando esse terremoto que atingiu sei lá quantos pontos na escala Richter".

E daí? E os cinqüenta mil mortos? Certo é que essa explicação científica é de pouca ou nenhuma serventia para os sobreviventes no Haiti – famintos, sedentos, desorientados, traumatizados – que perderam tudo, ficando literalmente sem chão e sem teto. Pois quando a terra treme e o céu vacila, quando a dor nos consome e o medo nos domina, quando o presente é caótico e o futuro uma dúvida, o que desejamos ouvir é uma voz forte, amiga, que nos oriente e nos faça crer que não estamos sofrendo à toa e que, aqueles que se foram, não morreram em vão. Essa voz de consolo e esperança não costuma vir da ciência.

E é nesse vácuo deixado pela ciência que o discurso religioso encontra solo fértil para se manifestar e progredir. Isso porque a religião sempre tem uma resposta para tudo, seja para a morte de uma criança, um genocídio, a violência urbana ou a fúria da natureza. Seu efeito é anestésico. Alivia a dor, reduz a ansiedade, tranqüiliza o espírito e conduz o desesperado à zona de conforto em que estava antes da crise ter início. "Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum..." (Salmo 23). "Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro sempre presente nas tribulações..." (Salmo 46). "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Romanos 8:31).

Falei há pouco sobre ação da imprensa no Haiti e acrescendo aqui o esforço das igrejas. Elas também estão fazendo o seu trabalho: sermões aqui, orações ali, Bíblia acolá. Vão se aproveitando desse momento de alta do medo para investir fortemente na conquista de novos adeptos. Não é minha intenção aqui criticar as igrejas, afinal, é assim que o mundo funciona e as igrejas fazem parte dele.

E já que falei em religião e igrejas, lembro-me que Deus é, na Bíblia, apresentado como o protetor dos pobres, das viúvas e dos órfãos. O Haiti é hoje, por excelência, a terra dos pobres, das viúvas e dos órfãos, um "prato cheio" para Deus. A imprensa está lá, fazendo o trabalho dela e buscando audiência; as igrejas estão por aí, aproveitando-se igualmente da crise para incrementar suas fileiras de adeptos. E Deus, onde está? O que anda fazendo? Sei alguma coisa sobre as instituições humanas, sobre como o mundo funciona, mas admito desconhecer os caminhos, interesses e intenções divinos. Penso, contudo, que se Ele quisesse, poderia se aproveitar também desse momento de luto para revelar ao mundo sua velada face de amor. Os pobres, as viúvas e os orfãos do Haiti certamente ficariam muito agradecidos se Deus fosse hoje, para eles, "socorro bem presente nas tribulações", com afirma o salmo bíblico.
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4 comentários:

On 17 de janeiro de 2010 às 11:15 , Cleiton Heredia disse...

Certa vez, por ocasião daquele terrível tsunami no final de 2004, eu escrevi um artigo que foi publicado no site adventistas.ws e replicado em outros sites similares:

Deus Mata as Pessoas para Transformá-las em Seus Outdoors de Advertência? (http://www.adventistas.com/janeiro2005/tsunami_opinioes.htm)

Hoje, cinco anos depois, ao reler aquele artigo percebo como minhas convicções mudaram. A minha explicação naquela ocasião foi que Deus não era o culpado, mas sim o Diabo.

É claro que muitos outros questionamentos que poderiam surgir em razão desta explicação ficaram adormecidos em função da fé que eu exercia com muita convicção e sinceridade.

É interessante como as minhas convicções anteriores tornaram-se insustentáveis após permitir que aqueles questionamentos dispertassem e fossem confrontados de frente.

Quanto à sua postagem, como sempre muito bem escrita, acredito que Deus poderá ser socorro bem presente aos sofredores haitianos no sentido espiritual (ou psicológico), pois no sentido material este socorro terá obrigatoriamente que vir dos próprios seres humanos em outros países em ações de solidariedade.

 
On 17 de janeiro de 2010 às 19:26 , Enéias Teles Borges disse...

Hoje eu li uma postagem no BLOG do Michelson Borges. Ele pede aos ateus, agnósticos e céticos deem uma chance para Deus. Eis aí uma boa chance. Que ele mostre ao mundo, todo voltado para o Haiti, que protege os fracos e faz mortos voltarem à vida...

Boa postagem. Replicarei no meu blog.

 
On 18 de janeiro de 2010 às 12:35 , Ricardo Cluk de Castro disse...

Olá Ebenézer,

Tem um selo de reconhecimento para você lá no meu blog.

É sempre uma satisfação poder presenteá-lo.

Abraços,

Ricardo

 
On 7 de março de 2010 às 11:47 , Anônimo disse...

Amigo, não posso dizer o mesmo que o Ricardo ai em cima postou. Não tenho um selo prá você.
Fiquei sobremodo triste com seu texto. Minha admiração por seu talento é de longas datas, mais de trinta anos... porém, discordo totalmente da sua maneira de inserir Deus na sua reflexão. Um abraço do amigo de sempre, Jorge.

 
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