sexta-feira, junho 27, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
O significado de uma palavra não deve ser uma coisa para mim, e outra para você. Se assim for, a palavra deixará de nos ser útil, pois não servirá para comunicar um conceito. Quando enuncio a palavra "amor", por exemplo, espero despertar em você o mesmo sentimento de afeição, ternura e profunda ligação para com o objeto amado que sinto em mim ao ouvi-la. Bem sei que a relação semântica entre um símbolo (a palavra) e seu significado (aquilo que a palavra quer dizer) costuma ser afetada pelo contexto de uso. Por isso, nestas divagações pueris sobre o amor, procuro me restringir ao contexto religioso cristão, tão comum a mim e a tantos outros.

Uma das primeiras definições de amor de que me lembro é derivada das páginas da Bíblia. Uma frase curta, forte e de fácil assimilação: "Deus é amor" (I João 4:8). Nunca mais a esqueci. Essa afirmação, embora sucinta na forma, se agiganta em mistérios. Mistérios que hoje despertam em mim mais dúvidas que certezas. Pra começar, de que deus estamos falando? A Bíblia cita vários, dentre os quais Astarote, Renfã, Dagom, Adrameleque, Nibaz, Asima, Nergal, Tartaque, Milcom, Renfã, Marduque, Baal. Qual desses devo tomar como expressão máxima do amor? Nenhum, é o que responde minha essência cristã. Esses aí são deuses falsos, extintos, que não resistiram à ação corrosiva do tempo. Deus bom é deus vivo. A Bíblia é clara ao identificar o Deus verdadeiro (com "D" maiúsculo) como o Deus vencedor, vivo e eterno. Esse Deus é aquele que abençoava Israel no passado e que hoje acompanha, protege e guia seus novos filhos, os cristãos. Assumindo essa premissa como verdadeira, a próxima pergunta é: o que posso entender sobre o amor ao estudar os atos desse Deus na história humana?

Folheando as páginas da Bíblia, não é difícil constatar que o amor divino está associado a alguma forma de sacrifício, o maior dos quais se observa na vida de Jesus. De fato, a mensagem central do Novo Testamento é que Jesus morreu pelos nossos pecados. Que incrível! O homem pecou e deveria morrer, mas Jesus assumiu o nosso lugar. Sacrificou-se. Isso é amor. Por outro lado, posso fazer uma leitura diferente dessa mesma história e concluir que Deus exigiu um sacrifício e que só depois de um inocente ter sido humilhado, torturado e morto de forma cruel é que Ele se permitiu demonstrar-nos amor na forma de perdão. Em outras palavras, Deus manifestou seu amor ao exigir e concordar com o sacrifíco de seu próprio filho. Devo confessar que jamais interpretaria esse ato como expressão de amor se não o tivesse lido na Bíblia! Que estranha forma de amar! Deus deve ser o único pai que submeteu o filho à morte e é venerado por isso. Qualquer outro seria tratado como psicopata. Em vista disso, faço-me a seguinte pergunta: Devo amar os outros da mesma forma como Deus amou a seu filho? Devo, em alguma situação especial e por amor a outros, sacrificar aqueles que são do meu lar, do meu sangue, da minha essência?

E por que Deus teve que nos amar sacrificando o seu único filho? Por que Jesus teve que morrer? A Bíblia responde: porque o primeiro homem, uma criação divina chamada Adão, pecou, isto é, desobedeceu a Deus ao provar de um fruto. De que fruto estamos falando? Do fruto do conhecimento do bem e do mal. Vamos relembrar esse episódio.

Antes de comer desse fruto, Adão vivia num paraíso, em inocente felicidade. Penso não estar agredindo o texto bíblico ao afirmar que Adão era um ignorante (por "ignorante" não o estou caracterizando com grosseiro ou mal-educado, e sim como uma pessoa pura, sem malícia, inocente, inexperiente, que desconhecia a existência de algo, que não estava a par de algumas coisas). Certo dia, Deus resolveu testá-lo. Dou-me aqui a liberdade de imaginar uma conversa entre Deus e o primeiro homem:

"Adão", disse Deus, "não queira saber o que é certo ou errado, apenas obedeça. Eu bem sei que você ainda não sabe o que é certo ou errado e, portanto, ainda não sabe que é certo me obedecer. Mas o que está em jogo aqui não é o saber, e sim o obedecer. Portanto eu lhe ordeno: não experimente o fruto do conhecimento. Ah, e antes que eu me esqueça, a árvore que produz esse fruto é aquela que se encontra bem no centro deste jardim. Fui claro?"

E Adão lhe responde: "Sim, o Senhor foi bastante claro. Ensinou-me algo sobre esse fruto. Já não me sinto tão ignorante. Sei pra quê esse fruto serve. Sei que ele é diferente dos demais. Também conheço o local exato em que posso encontrá-lo. Agradeço-lhe por essas informações preciosas". Após essa diálogo, Adão não hesitou em buscar mais: comeu e conheceu. Comeu e pecou. Inconformado com a desobediência do homem, Deus o expulsou do paraíso e hoje estamos aqui, amargando as conseqüências do pecado de Adão. Por razões que desconheço, a única solução para o pecado de Adão seria a morte vicária de um ser puro, o próprio filho de Deus, Jesus. Apenas o amor de Deus não seria suficiente para nos perdoar. Alguém teria que ser sacrificado.

Ao relembrar essa história, sinto-me induzido a crer que todo o mal existente em nosso mundo nasceu da desobediência e, portanto, a submissão pode ser a resposta. Se assim for, alguns religiosos devem estar certos ao insistirem tanto na obediência cega e resistirem com teimosia aos avanços do saber científico. É que, para esses religiosos, o homem foi criado para a obediência, e não para o conhecimento. Ele deve obedecer a Deus prontamente e, na ausência dEle, ao clero que o representa. Mas é preciso cuidado: não se deve obedecer a qualquer clero, e sim ao clero verdadeiro.

De volta ao tema "amor" – amor que ainda entendo como sentimento de afeição, de bem querer, de ternura, de zelo e cuidado por aquele a quem se ama – me pego a questionar o amor daquele que é puro amor. Seria um sacrilégio da minha parte? Talvez... E aqui confesso que, assim como uma mariposa é seduzida pelo brilho da luz, sinto-me atraído pelo magnetismo irresistível que emana do fruto do conhecimento. Herdei essa atração mórbida de meu pai Adão e, à semelhança dele, vivo comendo, ou melhor, cometendo o mesmo pecado.

Pra minha sorte, Deus é amor e planejou um meio de me resgatar. A fórmula é simples: preciso aprender a amar de verdade. E em matéria de amor, não há exemplo melhor que o próprio Deus. Portanto, devo amar como Deus amou a seu filho, sacrificando-lhe a vida em prol de criaturas ínfimas esculpidas em barro... Devo amar da mesma forma como Deus ama aqueles a quem condenará ao sofrimento eterno por não acreditarem ou não aceitarem o seu amor.... Devo amar da forma como Deus diz que me ama e me protege, mesmo sabendo que ele não poupou do sofrimento e morte o seu próprio filho... Confesso estar confuso diante desses exemplos incomuns de amor divino.

Essa confusão, contudo, tende a se dissipar se eu reconhecer minhas limitações acerca do caráter e amor do Criador. Sou finito. Limitado. Minha mente é pequena demais para entender os misteriosos atos de Deus. O que a mim parece loucura, na verdade, é a maior prova de amor já demonstrada neste Universo. Minha reação confusa depõe contra mim mesmo ao expor minha ignorância e estupidez.

A Biblia deve estar certa. Deus é amor e eu sou um tolo. Reconheço e assumo aqui a minha ignorância. Também preciso reconhecer que, à semelhança de meu pai Adão, provei do fruto proibido e fugi de Deus. Estou escondido. Não me movo. Temo ser descoberto. Adão fugiu por se sentir nu e eu por estar amedrontado com o assombroso jeito divino de amar. Prefiro o amor mais simples, mais comum, mais humano. Amor de pai, de mãe, de irmãos, de amigos... Companheirismo, atenção, proteção, amparo... Ver, ouvir, falar, sentir, tocar... sem medo...

E assim, assutado, permaneço escondido, como se fosse Adão, atrás de uma figueira...



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4 comentários:

On 28 de junho de 2008 às 23:17 , Cleiton Heredia disse...

Ebenézer,

O que tenho ouvido e aprendido sobre este "estranho" jeito de Deus nos amar a ponto de sacrificar Seu próprio Filho, é que se este amor fosse expresso num simples ato de perdão sem maiores consequências para todas as partes envolvidas, o pecado seria eternizado no universo, pois para cada repetição do pecado, bastaria Deus repetir seu ato de perdão.

Quanto a essência do pecado, não o entendo como a busca pelo conhecimento, nem muito menos compreendo a essência da santidade como sendo a obediência sem entendimento. Para mim, a árvore da ciência do bem e do mal era simplesmente um símbolo do "conhecimento prático" do mal, e era isto que Deus queria evitar que acontecesse com eles (uma coisa é saber na teoria que colocar o dedo numa tomada de 220 volts pode ser uma terrível experiência, outra coisa é sentir toda a dor deste conhecimento na prática).

Por outro lado, reconheço também minha ignorância e estupidez diante deste tema tão complexo.

 
On 28 de junho de 2008 às 23:53 , Enéias Teles Borges disse...

Belo texto. Eu diria até que é magnífico!

Hoje eu não sei se vejo complexidade nos mistérios da iniqüidade e da piedade. Como algo perfeito optou pela imperfeição que sequer existia...

Quanta coisa Deus poderia ter feito, entre elas: não ter criado Lúcifer e o Homem. Poderia voltar no tempo e começar tudo de novo, não é verdade? Mas seria impossível dado a um limitador: o caráter de Deus não permitiria qualquer desses atos.

Acredito, sim, que essa interpretação bíblica é o maior exercício de especulação que poderia ser praticado.

O amor que cria, sabendo que a desgraça viria em seguida. Amor que mata, para poder perdoar...

Sabe qual é o grande mistério? Como é que se pode crer nisso durante tanto tempo e por tanta gente?

SDS

 
On 7 de julho de 2008 às 22:12 , Ricardo disse...

Olá amigos,

Amor, de acordo com o contexto bíblico, é pura e simplesmente "a disposição em se sacrificar pelo objeto amado". Jesus Cristo disse que não há maior amor do que dar a vida por um amigo. O Filho de Deus, sendo o próprio Deus, se sacrificou por seus amigos, e como Deus é só amor, mesmo seus desafetos serão agraciados com algo tão bom quanto à vida eterna. Receberão a morte eterna, na qual também não haverá choro nem lembrança do pecado. Para falar a verdade a morte supera a vida eterna numa coisa. É que nela não haverá lembrança dos queridos deixados para trás, assim, para aqueles que não suportam a idéia de curtir a eternidade longe de entes queridos, condenados à destruição, está aí à solução. É o que eu sempre digo: em tudo podemos ver a manifestação do amor de Deus.

 
On 24 de fevereiro de 2009 às 17:51 , Anônimo disse...

Esse "amor divino" não me entra na cabeça. O mundo vai de mal a pior, basta olhar para os lados. Não há sinais de propósito. Onde está esse Deus? Se isso é o melhor que ele pôde fazer, se isso é demonstração de amor, imagine o contrário. De duas uma: ou esse Deus não existe ou ele é impotente.

 
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