
Não dá para falar sobre minhas crenças sem recuar no tempo e regressar a minha infância. Então, vamos lá! Lembro-me muito bem do dia em que
meu irmão me surpreendeu com a seguinte pergunta:
"Quem é seu maior inimigo?". Hesitei um pouco antes de lhe responder que era o Diabo.
"Não!", retrucou, ele, com firmeza e aparente convicção:
"seu maior inimigo é o Ego". E eu, que até então desconhecia a existência dessa palavra, não tive outra alternativa senão lhe perguntar quem era esse tal de Ego. A resposta me pareceu sem nexo:
"O Ego é você mesmo!". Fiquei pensativo, confuso e resolvi "consultar os universitários", isto é, o meu pai, que confirmou a história: Eu era, de fato, meu maior inimigo!
Nada daquilo fez sentido para mim. Como poderia eu mesmo ser meu maior inimigo? Não percebia em mim essa auto-hostilidade toda, nem me via como uma ameaça dissimulada a mim mesmo. Contudo, vindo de meu irmão e tendo o aval de meu pai, não havia por que discordar e, resignado, acolhi essa nova crença como verdadeira, passando a divulgá-la entre meus amigos.
Esse episódio serve para ilustrar o que me aconteceu reiteradas vezes no passado e que, talvez, possa ter-lhe ocorrido também. Ao longo da vida, dei guarida a muitas crenças cuja única âncora era o testemunho de pessoas em quem eu depositava confiança cega. A lógica por trás dessa minha atitude é de fácil compreensão: se tais pessoas eram de minha confiança, logo tudo que me diziam era confiável, fidedigno, verdadeiro, inquestionável. A vida, no entanto, se encarregou de me abrir os olhos para o fato de que as boas intenções e o cuidado sincero daqueles que nos amam não são salvaguarda inabalável contra o engano.

Por isso hoje, ao tentar falar sobre minhas crenças, faço questão de começar enfatizando algo que você certamente já sabe: eu sou humano e fui educado por humanos. Saliento isso porque nós, humanos, às vezes nos esquecemos que "os outros" também o são. A imperfeição faz parte de nossa natureza e, por conta disso, incorremos em erros freqüentemente. Eu, por exemplo, não posso negar que já falhei diversas vezes na vida e até perdi a conta das muitas escolhas equivocadas que fiz. E não me refiro aqui apenas a erros intencionais, aos quais sempre busquei evitar, mas principalmente àqueles deslizes sutis que cometemos ao tentar acertar!
Com relação as minhas crenças, sempre almejei aquelas que pudessem estampar o selo da verdade. Mais que isso, eu sempre acreditei ter acertado na escolha delas. Mas sou humano e cognitivamente imperfeito. Portanto, posso sim ter me equivocado e albergado crenças falsas.
É por essa razão que me faço a seguinte pergunta: Será que me enganei em crer no que sempre cri? Logo eu, que sempre acreditei que os outros é que estavam enganados?
Admitir essa possibilidade não me foi tarefa fácil ou agradável. Causou-me certo desconforto por ir de encontro à minha natureza. Como todo ser humano, gosto de estar certo sempre, de pisar em solo firme, de me sentir seguro em minhas convicções. Ser-me-ia mais cômodo assumir a autenticidade de minhas crenças e insistir na defesa deles, mesmo que, para isso, fosse necessário fechar os olhos às evidências, distorcer fatos e fazer alguns ajustes na realidade.
Confesso-lhe que por um breve tempo tentei agir assim. Tentei acomodar a realidade aos moldes de minhas crenças. Esforcei-me para "empurrar" o mundo numa determinada direção. Mas falhei... Aprendi uma lição: empurrões honestos e sinceros também provocam acidentes!
Outra lição que aprendi à duras penas é que minhas crenças nunca tiveram o poder de legislar sobre a realidade. Isso mesmo. Minhas crenças, por mais que me parecessem verdadeiras, por mais que me trouxessem conforto e segurança, por mais que me fizessem sentir-me especial, eram apenas crenças, isto é, um palpite vago, uma aposta incerta, um desejo hesitante, uma esperança frágil e trêmula de revestir de sentido essa realidade fria e rude que nos cerca, envolve, fascina, assusta e surpreende.
Que devo, então, fazer com minhas crenças? Desfazer-me de todas elas?
Penso que não. Devo, isto sim, revisá-las com cuidado, atenção, interesse e o máximo de isenção possível, consciente de que nem todas são falsas e nem todas verdadeiras.
Outrossim, devo proceder com humildade e me dispor a abrir mão daquelas crenças que se mostrarem falsas: crenças alienantes, crenças que me distanciam da realidade, que me afastam dos seres humanos, que me induzem a ver a mim mesmo como um ente especial e me instigam a virar as costas para o mundo por julgá-lo vil e mal.

Este mundo, com seus encantos e dores, é nossa casa e devemos nos unir na árdua tarefa de transformá-lo em um lar melhor para todos nós. Eis aí uma bela crença a ser cultivada e incentivada – a crença de que podemos dar as mãos e, juntos, construir aqui mesmo um mundo melhor para todos!